Coluna Justiça em Foco – Por Welson Soares*
Condenado por “humor ofensivo”: Léo Lins pega mais de 8 anos de prisão
Liberdade de expressão ou discurso de ódio?
O humorista Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses
de prisão em regime fechado pela Justiça Federal em São Paulo por fazer piadas
consideradas discriminatórias e preconceituosas contra diversos grupos sociais
em um show de stand-up realizado em Curitiba, em 2022.
A sentença foi proferida pela juíza Barbara de Lima Iseppi,
da 3ª Vara Criminal Federal, que considerou que as falas do comediante geraram
humilhação, constrangimento, medo e exposição vexatória a pessoas negras,
nordestinas, indígenas, com deficiência, com HIV, além de judeus, homossexuais,
obesos e idosos.
Além da pena de reclusão, LÉO Lins também deverá pagar uma
multa de 1.170 salários mínimos, conforme o valor da época do show, e indenizar
a coletividade em R$ 303,6 mil por danos morais.
“Racismo recreativo” não tem mais espaço, diz Justiça
O caso ganhou grande repercussão depois que o vídeo da apresentação, publicado no YouTube, acumulou mais de três milhões de visualizações antes de ser retirado do ar por decisão judicial. Na ocasião, o Ministério Público Federal denunciou o artista por disseminar discursos que reforçavam estereótipos e incentivavam a exclusão e a intolerância.
Durante o show, Lins fez comentários como:
– nordestinos teriam “aparência primitiva” e um deles seria
apenas “72% humano”;
– gordos deveriam “comer gays sem camisinha para pegar AIDS
e emagrecer”;
– negros “já nasciam empregados na escravidão”;
– judeus deveriam ter folga na Quarta-Feira de Cinzas;
– indígenas eram “coisas primitivas que não deviam mais
existir”;
– zombou de cadeirantes, autistas, pessoas com nanismo e
testemunhas de Jeová.
A magistrada destacou que a Lei 14.532/2023 ampliou o
conceito de discriminação previsto na Lei do Racismo, considerando também
situações de constrangimento e humilhação em ambientes artísticos ou virtuais.
Segundo ela, não se pode mais tolerar piadas de cunho preconceituoso sob o
argumento da liberdade de expressão ou do “direito de fazer rir”.
“Não se trata de um personagem no palco. É o próprio réu que manifesta, de forma consciente, ideias discriminatórias”, escreveu Iseppi. Ela também citou precedentes do STJ para reforçar que o chamado “animus jocandi” (intenção de fazer humor) não justifica crimes.
Condenação inédita no país
A decisão representa um marco no combate ao chamado “racismo
recreativo” no Brasil. A juíza entendeu que o fato das ofensas terem sido
feitas em um show e posteriormente difundidas pela internet agrava a conduta.
“O ambiente de descontração, nesse caso, não diminui a gravidade, mas a
aumenta”, afirmou.
Mesmo com testemunhas dizendo que não se sentiram ofendidas,
a juíza reforçou que os crimes de preconceito e discriminação não exigem dano
efetivo, bastando a intenção ou o conteúdo discriminatório da fala.
A defesa do humorista alegou que tudo fazia parte de um
personagem e que o humor tem função crítica e social. No entanto, a magistrada
foi categórica: “A liberdade artística não é um salvo-conduto para a prática de
crimes”.
Liberdade artística
A condenação de Léo Lins inevitavelmente levanta um debate
sensível: até que ponto o humor pode ser protegido pela liberdade de expressão
e artística? Embora esses direitos estejam assegurados pela Constituição, eles
não são absolutos.
O Judiciário entendeu que, no caso concreto, as falas ultrapassaram os limites da legalidade e da dignidade da pessoa humana, promovendo discursos de ódio e incitação à discriminação contra grupos historicamente marginalizados. Assim, quando a manifestação artística deixa de ser crítica social ou sátira e se transforma em ferramenta de opressão, a liberdade de expressão cede espaço à responsabilização penal.
Garantia democrática de liberdade X Censura
Por outro lado, a condenação de um comediante por piadas
feitas em um show de stand-up também acende um alerta importante: o risco de
criar precedentes que restrinjam a liberdade de expressão e inaugurem uma forma
velada de censura.
A arte, inclusive o humor, historicamente serviu como
instrumento de crítica, desconstrução de padrões e provocação social. Embora
seja necessário coibir discursos de ódio e discriminação, é fundamental que o
Estado não atue como censor daquilo que pode ou não ser dito em nome do riso.
Se não houver critérios objetivos e claros para distinguir o
que é crime e o que é provocação artística, abre-se um perigoso precedente para
a punição seletiva de ideias, o que pode fragilizar uma das principais
garantias democráticas: o direito de se expressar livremente, mesmo que isso
incomode.
Fique atualizado sobre as principais notícias relacionadas
ao mundo jurídico, acompanhando nossa coluna “Justiça em Foco”. Até a próxima!
*Welson Soares é graduado em Direito, atua como advogado
Criminal no Escritório Andressa Martins Advocacia em Sumaré/SP, Pós graduado em
Direito Penal e Processo Penal. Formado em cursos de aperfeiçoamento na área
criminal pela USP (Universidade de São Paulo) e PUC-RS e cursos de extensão
pela OAB ESA e FGV (Fundação Getúlio Vargas). Colunista do “’Justiça em Foco”
do Jornal Tribuna Liberal; Vice Presidente da comissão Jovem Advocacia da OAB
Sumaré; Membro e coordenador do Núcleo de Direito Criminal OAB Sumaré.
E-mail: andressa@andressamartins.adv.br
Instagram: @andressamartinsadvocacia
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Welson Soares é graduado em Direito e pós graduado em Direito Penal e Processo Penal
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